Ireland

Para quê serve um intercambio?

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Uma das belas rotas de fuga de Dublin

Por Felipe Franco

      Aprender um novo idioma, incrementar o currículo, experimentar uma nova cultura, tirar férias da faculdade na Europa, socializar vivendo em grupo, descobrir como se frita um ovo ou como ligar uma máquina de lavar roupa, gastar um pouco da fortuna do pai…?

       – Você já se perguntou, afinal?

      Tenho me perguntado há 250 dias o porquê de ter vindo parar na Irlanda, o porquê de ter largado minha vida no Brasil, o porquê de perder a guria que demorei anos para encontrar. Na verdade eu sempre tive a resposta, que começou a ser criada durante meus 15 anos. Nesta fase senti a coragem chegando e resolvi deixar a casa da minha mãe em Giruá para ir morar com meu pai em Soledade, um sujeito com boa dose de indisciplina e espírito aventureiro. A partir dali deslanchei para a liberdade e isto incluiu a falta de interesse na escola. Foram 4 anos seguidos de reprovação onde encontrar rotas de fuga no intervalo da aula virou minha especialidade. Nesse meio tempo, voltei a morar com minha mãe para tentar levar a escola a sério. A tentativa durou três meses e então retornei para minha liberdade junto ao meu pai.

      Minha “salvação” foi o interesse em trabalhar no rádio.  Para fazer um curso e obter o registro profissional seria preciso a conclusão do ensino médio. Restou voltar para os bancos escolares, um supletivo fajuto comprado por na época R$900 reais e concluído em 3 meses sem nenhuma prova de avaliação. Foi um sucesso, não fugi de nenhuma aula. Depois da minha bela atuação frente ao sistema do MEC parti para Santa Rosa fazer o tal curso de rádio. Após 4 meses de aula, assistidas como muito interesse, iniciei em uma rádio pirata. Meses mais tarde fui trabalhar em Pinhalzinho/SC. Duas horas de trabalho por dia e uma vida relaxante em uma república de estudantes do curso de engenharia de alimentos da UDESC. Fui demitido um ano depois ao bater de frente com a chefia, afinal, funcionário serve para baixar a cabeça, acatar ordens e produzir.

      Já com 25 anos, minha mãe e eu optamos por morar em Passo Fundo para ingressar na faculdade, logo eu que abominava sala de aula. Tentei Letras e saí correndo após uma aula de literatura com interpretação de poesias. Como nesse meio tempo já tinha arranjado um trabalho em uma rádio da cidade, decidi partir para o jornalismo. O guri antes indisciplinado na escola e aparentemente “burro” para uma sociedade que tem notas para tudo e todos, conduziu o curso sem muito esforço. O interesse em sala de aula me livrava do porre de estudar em casa. Para mim o melhor caminho.

      Acostumado a mudanças desde a infância, quando minha mãe trocou de cidade, criar raízes tem sido uma dificuldade. Canso rapidamente de lugares e trabalhos. A faculdade me disciplinou por 4 anos me acomodando pelo mesmo tempo em uma única empresa. É possível que alguém tenha citado meu nome como exemplo nesse período, “Como este Felipe é esforçado”. E até que fui, para a felicidade geral da minha humilde e conservadora família. Como me conheço, no primeiro ano do curso já comecei a tramar o intercâmbio, com a certeza de que na conclusão da graduação já estaria de saco cheio daquilo tudo. Faltava escolher o lugar.

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Pelas rotas de fuga você poderá desfrutar de novos pontos de parada. (Belfast)

      A Irlanda foi a escolhida pela possibilidade de trabalho, arranjar um significaria mais tempo de permanência em um lugar que também tem prazo para acabar. Para que serve o intercâmbio então? Para mim como uma rota de fuga, como daquelas no tempo da escola. Uma fuga, principalmente, da carga horária de trabalho do Brasil e remuneração desprezíveis. Uma fuga da responsabilidade de ser alguém, de ter que mirar o topo da carreira profissional e esquecer de viver. De não ter tempo para passear com o cachorro sem hora para voltar. Sem ter tempo de ver um filho crescer e ensinar-lhe o que realmente vale a pena nessa confusão chamada vida. Portanto, dentre tantas utilidades, um intercâmbio também serve para tal fim. Uma fuga temporária.

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