Ireland

Jornalista vira kitchen porter na Irlanda e finalmente vence na vida

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Meu cantinho limpo, já no final do expediente. Parar o trabalho para tirar foto daria m****

Por Felipe Franco

 

Fico a imaginar minha mãe, toda orgulhosa, comentando com a vizinha…

– Pois é dona Maria, meu filho está vivendo na Irlanda, foi para estudar e agora trabalha como kitchen porter.

– Noooooooossa, dona Neusa, que chique o seu filho!

O problema, dona Maria, é que a senhora não está ligada nas atribuições de um kitchen porter. E pensando bem, é melhor que nem saiba, não quero deixar de ser chiquérrimo aí na vizinhança.

 

Caro leitor, caso encontre alguém pelos botecos da vida e este alguém lhe confidencie que trabalha como kitchen porter, peça-lhe a benção e lhe pague uma cerveja. Pois você terá a honra de estar diante de um sujeito com vaga garantida no céu. Este nobre guerreiro lavador de louça e mestre na arte da tolerância merece o seu respeito.

Não que eu mereça uma vaga no céu (aceito a cerveja), mas há 4 semanas venho desenvolvendo minhas técnicas de esfregar panela e manter o autocontrole. Tenho trabalhado num restaurante de cozinha francesa, cheia de franceses, alguns irlandeses, e outras nacionalidades. Até argentino deram um jeito de contratar. Antes disso eu nem imaginava como funcionava uma cozinha com esse perfil, com chef, sub chef, amigo do chef, desafetos do chef e tal. Lá, na ordem de importância vem o chef francês seguido de um irlandês e um italiano, respectivamente. Após encontram-se os assistentes de cozinha espalhados por diferentes setores, e para fechar vem o chique do kitchen porter, a bucha de canhão, Eu. O único sujeito que aparentemente não precisa ter habilidade nenhuma. Não precisa picar nem cozinhar nada, só é exigido que saiba lavar a louça. Quinze pessoas sujam, você limpa. Simples.

 

O primeiro fator que merece respeito é a jornada de trabalho do vivente. São em média 14 horas (10 às 00:00) divididas por 1h30 de intervalo.  Isso significa estar 12 horas em pé num único dia, manuseando utensílios de cozinha e não raramente queimando parte das mãos. As panelas não encontram tempo nem para esfriar e já voltam para o fogo. Para minha felicidade, os queridos colegas não param de sujar “coisas” 1 minuto sequer, são 6 horas sem sossego até o bendito descanso. Sem contar o momento em que da vontade de chorar, quando os nego trazem tudo que sujaram numa só vez e o kitchen porter tem vontade de sair correndo para nunca mais voltar. Mas suportar horas em pé e manter movimentos repetitivos é fácil. Isto é nada comparado ao nível de tolerância necessário para agüentar o autoritarismo e mau humor dos chefs.

 

Aquilo mais parece o big brother em dia de eliminação. Os assistentes de cozinha não sorriem com medo de serem eliminados, principalmente pelo chef irlandês. É na base da humilhação, como vi na primeira semana com um português gente boa que logo dançou. Aos gritos, o chef disse que ele não tinha capacidade de trabalhar lá, não servia nem para carregar um prato. Outro colega deixou passar uma pequena mancha num prato, entre as dezenas que já havia limpado, e não foi poupado “se você não limpar direito, semana que vem farei com que você não trabalhe”, disse o irlandês. Uma pequena vacilada pode custar um esculacho diante dos colegas. Incentivos como “mova essa bunda, isso aqui não é o McDonalds”, podem ser ouvidos com freqüência.

O autocontrole é necessário nessas situações ou o chef pode ser presenteado com uma panela na cabeça. Menos mal que no final da noite o pessoal relaxa e alguns sorrisos surgem na cozinha , pelo menos até o dia seguinte onde teremos novo paredão.

 

 

 

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26 replies »

  1. Comecei a ler o seu blog e acabei me identificando bastante. Assim como vc, tbm sou jornalista, rasguei minha passagem _quand deveria estar voltando – e ainda continuo na irlanda (desde abril de 2013, mas em cork). O problema eh que não sei se quero ficar ou voltar, ou ate quando aguentarei essa vida puxada de imigrante. Texto bastante divertido. Minha mae tbm acha que venci na vida (coitada, nem sabe o que passo por aqui)

  2. ai vc pensa se compensa trabalhar pra viajar como a maioria faz e tu ve que sim, compensa!!!…to em Bali agora, vim com o dinheiro q ganhei sendo Kitchen Porter ai nesse inferno de Dublin e passando por isso q tu disse mas tenho duas semanas pra repor as energias por aqui…por enquanto vem valendo a pena…vou comecar a reclamar todo dia novamente qndo voltar…abs e paciencia!

  3. gente, que horror hauehuaheua
    noutro post que você falava sobre a dificuldade em arrumar emprego perguntei porque aceitar isso e vc falou da questão financeira, que aí paga melhor. duvido que vc tivesse que se submeter a um trampo desses no brasil, com certeza faria algo menos estressante ou no mínimo mais valoroso intelectualmente. acho que por isso tô há um ano juntando grana pra ir e não ter que passar por tudo isso. na minha cabeça é meio inaceitável, mas boa sorte! hahaha o texto tá muito massa 🙂

    • A ideia de ser algo temporário da forças para encarar. Trabalho é trabalho. A diferença é que no Brasil além de usa-lo para ganhar um salário também o usamos como uma espécie de título de nobreza. hehe

  4. Parabéns!
    É amigo, meu filho está na mesma função.
    E, com a graça de Deus , é e será sempre um vencedor.
    Parabéns e sucesso aos “kitchen Porter”

  5. Olá… Conseguiu arrumar emprego na sua área? Conhece alguem que estando ai conseguiu alavancar na carreira do jornalismo sendo brasileiro? Ainda continua como kitchen porter? Meu marido pensa em ir pra Irlanda comigo, porém ele está com a certeza que ao chegar aí terá que fazer outras coisas sem ser da área dele pois a demanda é pouca

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